Cármen Neves

"Viajar é recolher nossos próprios pedaços que ficaram em algum lugar" Margarida Reimão.1958-2005

Textos


I

 

Ele tinha poderes para hipnotizar, e fazer o que quisesse com ela. Por este motivo ela continuou completamente imóvel, nua, sentada num confortável sofá estilo romano, forrado com veludo da cor carmim. Cabelos soltos, usando apenas um colar de pérolas brancas que lhe descia até os seios, dando um toque singular ao seu pescoço.

                  A visão daquela bela jovem iluminava o ambiente sombrio, onde pessoas seminuas compunham o cenário. Paralisada, ela continuava com o olhar fixo naquele homem alto e sedutor, que a deixava em clima de contemplação, porém, imóvel e encolhida de medo.

                  Ele, por sua vez, atento a tudo, não desviava o olhar da jovem e, com o passar dos segundos, começou a sentir o desejo aumentar dentro de si. Uma vontade imensa de tocá-la. Sem hesitar, ele se aproximou e, de joelhos, por alguns minutos segurou-a com firmeza, sugando-lhe delicadamente os seios. A virgem, que a princípio se encontrara assustada, ficou surpresa por estar gostando. Ele beijou e alisou com as mãos aqueles seios jovens e macios, até sentir-se satisfeito. Os minutos pareceram horas de pura sedução para ambos. Então ele olhou sua boca entreaberta e, fitando-a nos olhos, foi aos poucos se afastando.

                  Ela sentiu uma incompreensível sensação de insegurança. Do meio da sala, à meia-luz, surgiu uma mulher completamente nua que o abraçou com força, colando seu corpo ao dele. Diante de seus olhos, a dança do sexo começou. Mordidas e gemidos multiplicavam-se a cada segundo. Ela observava, paralisada. Então o sexo se consumou, e o constrangimento era visível na face da bela jovem.

                  Esse era exatamente o sentimento que ele queria despertar nela. Sentia-se, de certa forma, realizado. Dispensou a parceira com apenas um olhar e começou a vestir-se, deixando a camisa propositadamente aberta, com seu peito másculo e belo à mostra para quem quisesse olhar.

                  Como se nada tivesse acontecido, ele se aproximou e cobriu o corpo dela com sua capa, estendendo lhe as mãos e tentando conduzi-la até as escadas, em direção ao quarto. Antes mesmo de dar o primeiro passo, ela tentou fugir. Todavia, seus pés pareciam ter vida própria, e foram aos poucos subindo, degrau por degrau, num ritmo contínuo. E também seus olhos não a obedeciam, e não viam nada além dos olhos dele, que atraíam os seus como ímãs.

                  Ele estava deixando-a cada vez mais constrangida, pois ela sabia o que ele tinha em mente. Por este motivo, subiu as escadas com o coração palpitando e com uma imensa vontade de chorar, até o momento em que chegaram diante da espessa e escura porta de madeira que, por um encanto, abriu-se à aproximação dos dois. Através dos olhos dele, conseguiu naquele instante compreender todas as palavras não ditas, porém claras.

                  Ela entrou, amedrontada. Ele, em clima de pura sedução.  Ele desvia o olhar; ela sai do transe e começa a observar a imponência e a beleza do quarto, e cada um de seus detalhes. Paredes escuras, muitas flores vermelhas de um agradável aroma primaveril. Sobre a cama, um longo e justo vestido de veludo da cor do desejo. Ela o admira por alguns segundos, durante os quais, sem que se desse conta, ele a deixara sozinha. Quando se apercebeu de sua ausência, de certa forma sentiu-se tranqüila. Respirou aliviada, apesar de não saber nem mesmo como havia chegado àquele castelo.

                  O silêncio foi quebrado por sons vindos do banheiro. Conduzida pelo barulho das águas, ela lentamente se dirigiu, mesmo com receio, em direção à banheira, que recebia água quente de uma torneira dourada. Sem poder resistir, com todo cuidado adentrou-se, sentindo o frio que habitava seu corpo ausenta-se, juntamente com o medo que sentira até aquele momento.

                  Massageando seu corpo e recompondo suas energias, a água fez com que ela despertasse para o aroma agradável, e só então percebeu a luz de velas que iluminava o ambiente. Assim permaneceu, nesse clima de contemplação, até o momento em que uma criada vestida de preto apareceu e a fez sair do banho, dizendo-lhe que já estava atrasada. Assustada, ela pensou consigo mesma:

                  - Atrasada para o quê?

                  A mulher ajudou-a a sair da água e, com uma toalha branca, começou a secar seu o corpo. Conduziu-a então à cama, ajudando-a a colocar o belo vestido, que parecia ter sido confeccionado sob medida para seu corpo, deixando seus seios sensualmente à mostra. A criada ajeitou-lhe os longos cabelos cacheados para cima, deixando apenas um cacho solto à altura dos ombros. Antes de sair, disse-lhe que colocasse o colar e os brincos que estavam sobre a cama e depois descesse até o salão de festas. Meio sem vontade, ela rumou em direção à cama e encontrou um colar de brilhantes adornado por um imenso rubi em forma de coração. Colocou-o e, parada em frente ao único espelho existente no quarto, admirou aquela peça majestosa, possuidora de uma beleza jamais vista. Arrumada conforme lhe fora pedido, dirigiu-se então à porta, mas hesitou ao abri-la. Necessitava saber por que estava naquele lugar. Tomando coragem, saiu do quarto.

                  A maciez do tapete sob seus pés foi de repente cortada ao pisar a pedra fria. Sentiu também o frio que vinha das paredes do imenso castelo, mas, conduzida pelo volume alto da música, desceu os degraus da escada, em direção ao salão de festas. Andou mais um pouco e observou a penumbra do ambiente, sentindo seu coração disparar – um aviso de que algo inimaginável estava por acontecer.

                  Ao chegar diante da porta, percebeu que a música diminuíra, e que todos os olhares haviam se voltado para ela. O contraste da cor de sua roupa parecia ter despertado admiração e inveja, pois todos, sem exceção, estavam trajados de preto. Ela olhou para o fundo daquele enorme salão e o viu, sentado em um sofá redondo, cercado por mulheres. Quando ele a avistou, não hesitou em fazer um sinal com a cabeça para que ela se aproximasse.

                  Descalça, com os pés quase congelados, ela caminhou em sua direção, cruzando aquele ambiente fúnebre repleto de pessoas desconhecidas, sem entender a razão de sua presença naquela espécie de festa-funeral. Aproximou-se com toda a sua beleza angelical – mas seus olhos a traíam, pois transmitiam todo o medo que estava sentindo naquele momento. Sentia-se acuada. Então, tentando disfarçar tal sentimento, baixou a cabeça.

                  Imediatamente ele percebeu que ela estava com muito frio, pois seus lábios estavam roxos e seu corpo tremia. Com um gesto incompreendido pelos presentes, ele retirou sua capa de veludo preto e a colocou sobre os ombros dela, que lhe agradeceu apenas com um olhar – um olhar assustado, porém um olhar de agradecimento. Ele nem percebeu que, ao praticar essa gentileza, estava despertando a atenção dos presentes. Mesmo assim, continuou afastando as mulheres ao seu redor e fazendo-a sentar-se a seu lado. Todos os olhares estavam voltados para os dois. Para ele, entretanto, era como se ali houvesse apenas aquela jovem, tão perto de seu corpo.

                  Sentada com os pés afastados do chão, após alguns minutos o frio começou a diminuir. Seus lábios voltaram à cor natural. Enquanto isto, assistiram a diversos números eróticos, executados pelos próprios convidados. No centro da sala, cada movimento, cada gesto das danças, tudo lembrava sexo. Ela estava disposta a sair daquele ambiente indesejável, principalmente quando três bailarinas se aproximaram, jogando as vestes ao chão e chegando nuas até ele.

                  Ela quis sair imediatamente daquele lugar, mas parecia estar presa ao sofá. Fixou então os olhos nos olhos dele, como que suplicando para que tudo aquilo parasse. Ele leu a súplica em seus olhos, mas não atendeu ao seu pedido, deixando que as mulheres tocassem em todo o seu corpo, sem exceção, apenas para ver qual seria a reação dela. O ato praticado pelas três mulheres não o excitava mais do que o vê-la expressar todo aquele medo e constrangimento.

                  Então aconteceu o que ela mais temia. Cenas de sexo explícito entre os convidados foram praticadas entre aquelas paredes geladas e imóveis. Não havia pudor. Homens sedentos por sexo, mulheres oferecendo-se sem limites. Ela sentiu que iria desmaiar diante de tal situação inacreditável. Ele a tudo observava, e nada fazia.

                  Além disso, paralisada e inteiramente horrorizada, ela se preocupava com seu decote, que deixava seus seios à vista de todos, quase saltando do vestido. Por vezes, escondia-os com as mãos, deixando-os livres apenas quando ele balançava a cabeça em sinal de negativa, ao que ela obedecia apenas por puro medo. Não suportando mais aquela constrangedora situação, esperou o momento oportuno e foi aos poucos se afastando, sem ser notada.

                  Longe dos olhos dele, subiu as escadas correndo, trancou a pesada porta com todas as trancas existentes e, ofegante, arrancou o vestido, dirigindo-se à banheira, que continuava a esperá-la. Desta vez o ambiente exalava um perfume afrodisíaco. De olhos fechados, respirou fundo. Ao abri-los, sem ter tido tempo de se recompor do acontecido, levou um susto ao vê-lo dentro da banheira, à sua espera.

                  Agindo como se nada tivesse acontecido, ele repetiu o gesto de lhe oferecer as mãos, conduzindo-a para perto. Ela não queria entrar, mas suas mãos estavam presas às dele. A princípio ficou imóvel, sentada em frente a ele. Como a água lhe cobria metade dos seios, o colar molhado reluzia com um brilho que incomodava os olhos. Ele a virou de costas e delicadamente passou as mãos em seu pescoço, tirando o colar sem que ela percebesse. Beijou sua nuca, soltou seus cabelos, e só então virou-a outra vez de frente para si. Segurando seu rosto, beijou seus doces lábios carinhosamente, sem pressa, de uma maneira quase lírica. Ela sentiu seu corpo estremecer, não de prazer, mas de medo. Calmamente, ao perceber a reação da jovem, pela primeira vez ele pronunciou uma frase, em tom firme, na intenção de deixá-la segura.

                  - Fica calma, não vou te morder. ...            


Eis o começo do meu livro, Castelo dos Desejos. Edição limitada: 500 exemplares ( metade já está vendida).

A capa é da artista plástica , escritora e amiga, Dalva Agne Lynch.
Cármen Neves
Enviado por Cármen Neves em 14/05/2007
Alterado em 15/04/2008
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